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Quando o que parece impossível se torna afinal possível

  • ialarcao0
  • 27 de abr. de 2021
  • 4 min de leitura

A interdisciplinaridade envolta na interpessoalidade

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Acompanhei recentemente um processo de reestruturação de um centro de investigação que, pelo interesse que em mim despertou, acordou a vontade de o analisar e comentar e até de lhe dar alguma visibilidade, o que agora faço, disponibilizando um pequeno texto num blog na minha página pessoal. Sem nele participar diretamente, observei a sua dinâmica, uma dinâmica de transformação que, sem fazer tábua rasa do passado, o recria num presente com futuro.

Estruturado em laboratórios organizados numa lógica disciplinar, o tempo foi intensificando a convicção de que não era esse o melhor modelo para responder ao que os membros queriam fazer do seu Centro. Várias tentativas se foram sucedendo e, de certo modo, preparando as veredas de um caminho que se apresentava difícil. É aquilo que eu costumo designar pelo período de maturação. E, quase de repente, (quase porque o tempo nestes processos costuma ser muito mais lento) o que parecia impossível tornou-se afinal possível. A reestruturação concretizou-se com aprovação unânime e satisfação de todos os membros.

Foi isso que me levou a refletir sobre as razões que podem ter justificado a dinâmica e o resultado conseguidos. Quero agora fazer uma tentativa para ir ao âmago do que aconteceu. Organizo o meu pensamento em redor de quatro ideias: o contexto; as concepções de investigação; o processo; e, mais importante do que tudo, as pessoas.

Comecemos então pelo contexto. Em destaque colocaria a consciência crescente e premente de se ultrapassar a tal falta de coerência e articulação temática que ao longo dos anos se vinha sentindo e combatendo e a que, de tempos a tempos, se juntavam os desafios críticos lançados pelas comissões de avaliação. Mas há mais. Refiro a compreensão da natureza sistémica do conhecimento que, na atualidade, é exigida pelas situações complexas e que também se manifesta na conceção de trabalho em rede que caracteriza o ambiente institucional, nacional e internacional na atualidade. De certo modo ligado aos contextos (afinal tudo está ligado, não é verdade? Só é mesmo preciso perceber as ligações) e no âmbito das concepções sobre a investigação, saliento uma (re)orientação da investigação no sentido mais práxico numa lógica de resposta aos problemas concretos a que não é alheia a preocupação pela nossa responsabilidade perante a sociedade. Esta reorientação traz ao de cima novos modos de trabalhar e quero destacar aqui o modo interdisciplinar de abordar os problemas. Trabalhar interdisciplinarmente não é demolir o conhecimento específico das disciplinas consagradas. É deixar que ele contribua para a compreensão analítica e global dos fenómenos em estudo. É não considerar os especialistas como “donos disto tudo”. É compreender, por outro lado, que não há verdadeira interdisciplinaridade sem a disciplinaridade que a sustenta. Acho que entrou em jogo, em todo este processo também o reconhecimento de uma disciplina que, por vezes, é mal tratada nas comunidades universitárias. Neste caso tratava-se da Didática. Mas foi igualmente reconhecida a credibilidade e a relevância de outras áreas do saber entretanto acolhidas no Centro com a entrada de novos membros. Quero, pois, acentuar neste processo a importância do reconhecimento e aceitação da identidade das diversas áreas, a compreensão das suas articulações e do seu contributo para as temáticas em estudo.

Apercebi-me, ao analisar este processo, da importância da interpessoalidade na construção da interdisciplinaridade. E daí o subtítulo: A interdisciplinaridade envolta na interpessoalidade. Impõe-se, portanto, comentar o papel das pessoas, os membros do centro. Destacarei alguns aspetos. Tal como na massa a levedar, o fermento é um ingrediente essencial, também neste processo as pessoas o foram. Sabendo situar-se no contexto favorável acima referido, convictos da urgência de uma nova abordagem investigativa aos problemas educativos emergentes, todos os membros se envolveram, embora com papéis e níveis de envolvimento diferenciados. A experiência que vivenciaram foi por eles referida, aquando da apresentação das propostas de reestruturação dos laboratórios, como de progressivo entrosamento entre as pessoas, abertura a ideias diferentes, liberdade sem constrangimentos na apresentação e defesa dos vários pontos de vista, frontalidade e riqueza dos contributos, respeito pelas ideias dos outros e trabalho a partir delas, diálogo franco e aberto, espírito crítico, aceitação de ideias eventualmente disruptivas trazidas pelos jovens investigadores. Em ação entraram as capacidades cognitivas como reflexão, análise, projeção, síntese e as afetivas como empatia, confiança, aceitação do risco.

Foi um processo humanista, interpretativo, colaborativo e transformador. Um processo de aprendizagem de si e dos contextos, de conhecimento de si e da sua relação com os outros, uma oportunidade de aproximação e aprofundamento de conhecimento mútuo de pessoas que muito diferem na formação, na experiência, nas opiniões. Um processo de envolvimento progressivo em que a vontade e a motivação foi crescendo à medida que o contínuo entre impossibilidade e possibilidade ia crescendo. Começou com contactos informais para a ideia ganhar força. Progressivamente foram tomando consciência de que seria possível o que, de início, parecia impossível. Pessoas com perfis tão diferenciados em termos de formação, idade e conceções conseguiram trabalhar e acabaram por gostar de trabalhar em conjunto. Um processo sentido como gratificante, pois para além de terem conseguido levá-lo a bom termo, descobriram como é bom fazer parte de um coletivo.

Ainda no âmbito do processo, mas também das pessoas, queria destacar a dinâmica criada pela Coordenação do Centro, estimulante e apoiante. E a finalizar, fazer uma referência aos chamados seniores e aos jovens investigadores. Se, por um lado, o distanciamento atento (e apenas inteligentemente recuado para um segundo plano) de alguns seniores com vivências passadas de conflitos de ideias possa ter tido alguma influência, por outro lado, o sangue na guelra dos muitos e muito jovens investigadores contribuiu com novas ideias e novas frentes de ação.

Falta agora a cereja em cima do bolo, ou seja, o aprofundamento e desenvolvimento do espírito interpessoal da interdisciplinaridade ao serviço do conhecimento e da ação de resposta aos problemas cada vez mais complexos com que a sociedade se está a confrontar.


Isabel Alarcão

Coimbra, 27 de abril de 2021

 
 
 

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